segunda-feira, 21 de março de 2011

DEZOITO DE MAIO 2011 EM BELO HORIZONTE, MINAS GERAIS.

Como nos anos anteriores, este é mais um daqueles momentos ímpares de preparação para o Dia Nacional da Luta Antimanicomial , a manifestação cultural que marca nossa política: POR UMA SOCIEDADE SEM MANICÔMIOS.
Com um formato inusitado de Escola de Samba, a Liberdade Ainda que Tam, Tam, por 14 anos consecutivos, sai às ruas do centro de Belo Horizonte para se manifestar pela Reforma Psiquiátrica Antimanicomial.
Nesse ano de 2011, o Dezoito de Maio será a comemoração/celebração dos cinqüenta anos do livro A História da Loucura na Idade Clássica, lançado em 1961, na França, texto no qual localizamos os subsídios teóricos para os princípios da nossa luta por delicadeza.
Seu autor é Paul-Michel Foucault, filósofo francês (1926-1984), um pensador insubmisso de nosso tempo, um historiador do presente, também conhecido como poeta do pensamento, um narrador teórico.
A beleza da linguagem e a lucidez de seu pensamento dialogam na busca de uma análise da loucura e do próprio homem ao longo da história.
O livro é uma arqueologia de como as pessoas tem pensado a loucura no decorrer do tempo: Do final da Idade Média até a Modernidade.
Para Foucault, a história não é linear, nem contínua, mas sim experiências. O autor analisa as interpretações feitas ao longo da história e que resultaram no que hoje se conhece. Sua descrição do quadro histórico da loucura em cada período, permite compreender a formação social, política, econômica e filosófica da loucura, demonstrando que esta sempre foi objeto de exclusão.
Como o louco era percebido e como isso mudou a partir da Idade Média e a evolução dessa percepção. Como a loucura produz seus discursos, como eles se formam e o modo como cada época vai mudar esses discursos. Qual é a gênese do internamento e da exclusão.
No final da Idade Média, a loucura era vista como o castigo ou uma forma de redenção. A figura do louco era a de objeto poético. Na literatura e na poesia vigorava a visão trágica da loucura, a mesma percepção/condição do homem no mundo.
Na linguagem escrita, a descrição de uma embarcação que vagava rio abaixo por diferentes cidades , traz a imagem literária da Nau dos Insensatos no período renascentista. Mais que uma metáfora, essa foi uma realidade vivida num tempo em que ainda era possível o diálogo com a loucura.

Em algumas construções pictóricas da época percebe-se a loucura em toda sua vivacidade antes de ser capturada pelo conhecimento.


A partir do final do século XV na Europa, o fim do campesinato como classe, o advento da manufatura e o conseqüente declínio dos ofícios artesanais, trouxe aos trabalhadores do campo e artesãos enormes dificuldades. As cidades se enchiam de desocupados, mendigos e vagabundos, quando se experimentava também a falta de mão de obra.
A repressão à mendicância, à vagabundagem e à ociosidade levou ao internamento sumário em casas de correção ou similares,por ordem do rei ou do juiz. Esta era uma prática corriqueira para os desviantes sociais: Os desempregados, doentes venéreos, blasfemos, prostitutas, devassos, ociosos, baderneiros e...os loucos).
É esse o momento me que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no contexto dos problemas da cidade.
Ao mostrar o espaço de confinamento na geometria imaginária de sua moral, a Idade Clássica encontra uma prática e um lugar para a redenção dos pecados da carne e faltas cometidas contra a razão, o confinamento.
Na Idade Clássica (1650 a 1800), houve a desmistificação da loucura, ela adquire o significado social e moral: punição e controle. É o momento em que a loucura vai ser excluída da ordem da Razão.
Foi através desse gesto que algo dentro do homem foi posto fora de si e empurrado sobre a borda do nosso horizonte.
A Idade Clássica inventou o confinamento na forma como a Idade Média havia inventado a segregação dos leprosos.
A percepção social do internamento é a solução dos problemas econômicos e sociais, produzindo a segregação que produziu os alienados- aqueles que não tem capacidade de decidir nada na sociedade.
O internamento dos alienados é a estrutura mais visível na experiência clássica da loucura.
Na Modernidade (séculos XIX- XX), a loucura passa a ser objeto de análise e começa a entrar para a esfera da medicina e da ciência como objeto de estudo e pesquisa. É o nascimento do hospital psiquiátrico.
Os significados mudaram, mas as práticas continuaram as mesmas: internamento e exclusão. Mesmo com as diferentes representações da loucura nesses diferentes períodos, uma instância não muda, que são as práticas relacionadas à loucura.
Michel nos convida a refletir sobre a história e nos provoca a um mergulho nos arquivos empoeirados da dor e pela ousadia de seu pensamento, permite-nos a coragem para abrirmos tais gavetas e inventar a partir das mesmas novos modos de viver a loucura e convida-nos a buscar formas e tons poéticos ainda inexplorados.
No processo de elaboração do tema para a manifestação político-cultural de 2011, nos arriscamos ao enveredar por esse caminho , tão instigante quanto difícil, sem o tempo e a erudição suficientes para um mergulho mais profundo na obra cinqüentenária de Foucault.
Coletivizamos então vivências, percepções e pensamentos. Quem sabia mais compartilhou o conhecimento, quem sabia pouco pesquisou mais e quem nada conhecia desta história, hoje sabe um tanto bom.E desse modo, em terreno propício à reflexão, foi possível chegar às formulações /construções do tema eixo desse ano:

HISTÓRIAS DA LOUCURA: MICHEL TAMBÉM CONTOU!
Esse exercício coletivo de pensamento possibilitou também, nos reconhecermos continuadores da narrativa de Foucault na construção viva de novos capítulos da história da loucura.
Os sub-temas a seguir, compõe e organizam a seqüencia do enredo que se enriquece com a frase de Geraldo Francisco, primeiro presidente da ASUSSAM : “ Admitir que a loucura existe vira uma realidade”.
Esse é o momento da história que expressamos, é o sonho que insistimos em construir.(Século XI em diante)


O ROTEIRO DIVIDIDO EM CAPÍTULOS, SEGUE A HISTÓRIA...

• A primeira parte se refere à loucura antes de sua reclusão. No período de 1501 a 1600, nada de prisão ou hospital para os loucos. Ele vivia solto, expulso das cidades às vezes, vagava pelos campos ou eram entregues a comerciantes e marinheiros.
São dessa época a embarcações denominadas Nau dos Insensatos que levavam o loucos de uma cidade a outra na Europa, por onde corriam os rios. Qual seria a razão desse costume, não sabemos,mas pode-se depreender que os loucos eram livres e cativos de uma mesma condição, ao serem entregues ao rio de mil braços e ao mar de mil caminhos.
Colocados no interior do exterior, seguram-nos no lugar da passagem.
A frase que nomeia esta ala é” ENTREI DE GAIATO NO NAVIO”

• A segunda parte discorrerá sobre a experiência da loucura, tão bem retratada na obra “O Jardim das Delícias” de Bosch.
A experiência da loucura ( os delírios e alucinações) esteve presente em todos os Dezoito de Maio . Para o coletivo que constrói esta manifestação, a expressão dessa vivência é quesito fundamental para a superação de mitos.
Perceber tantas imagens que nunca foram poesia e tantas fantasias que nunca tinham atingido as cores do dia.
A segunda tem o nome de : “NO JARDIM DAS DELÍCIAS, O LOUCO É REI!”

• A terceira parte da manifestação, representará o momento da “captura”, ou seja, o grande enclausura mento empreendido na Europa: O agrupamento dos proscritos, dos miseráveis, bêbados, mágicos, hereges, os doentes venéreos, os vagabundos , alquimistas e os loucos. Todos os excomungados sociais colocados num único espaço. Um grupo heterogêneo que acabou se transformando em um mundo homogêneo.
Esse ato representou o modo de perceber e tratar a miséria adotada pela idade clássica ( 1650 a 1800).
Esse é o tempo histórico em que alteram-se os modos de produção com o advento do capitalismo. “Coincidências” à parte, são os inadaptados e improdutivos que vão habitar as casas de correção e os ditos hospitais gerais (nomeação dos espaços de confinamento, mas que nada têm a ver com o que chamamos hoje de hospital ).
O nome da terceira ala é “HOSPITAL TOTAL, PEGA UM, PEGA GERAL.”


• A quarta parte da história é sobre o nascimento da psiquiatria: O discurso social, pictórico e filosófico da época.Será o encobrimento da loucura como saber que expressa a experiência trágica do homem no mundo, impossibilitando a troca entre um saber e outro. Inaugura-se o monólogo da razão sobre a loucura.
Uma nova concepção da loucura como doença mental passa a vigorar quando Fellipe Pinel e outros médicos da época, por ordem do rei da França, visitam todos os estabelecimentos (hospitais gerais e casas de correção), separando os loucos das demais pessoas enclausuradas, libertando as segundas e destinando as primeiras aos asilos. Por estarem fora do campo da razão, já haviam perdido a sua liberdade. Foram então isoladas para serem observadas, estudadas e “tratadas”.
“E aqueles que foram vistos dançando, foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música.” (F. Nietzsche).
O nome desta ala é “A RAZÃO ARRASOU, O HOSPÍCIO CHEGOU!”

• Na 5ª parte desta história, o sol se abre para que aconteçam as saídas inventivas para a convivência, para um outro lugar social para a loucura.
Inventividade e sensibilidade estarão presentes na narrativa estética e poética sobre os novos serviços; o novo modelo de tratamento, o cuidado em liberdade e o resgate da loucura enquanto experiência humana.
Temos sim o que festejar e o que sustentar!
Mil vivas ás conquistas de um novo tempo para a diferença.
Parabéns e muita vida aos aniversários da rede substitutiva ao hospital psiquiátrico nos diferentes lugares de Minas: Itaúna, Brumadinho, João Monlevade, Belo Horizonte, Betim, Igarapé, Ibirité, Sabará, (...) e tantos outros e tantos de nós.
“TERRA À VISTA!” é o nome da ala das crianças e adolescentes que apontará as cenas dos próximos capítulos, o futuro que insistimos ser melhor!
“As coisas murmuram já um sentido que a nossa linguagem apenas tem de erguer.” (Foucault).

• Michel Foucault, conhecido como o historiador das proibições e do poder repressivo, em suas três grandes obras trabalha a loucura, a punição e a sexualidade e mostra como esses saberes se constituíram histórico-culturalmente. O filósofo opera uma desconstrução da história e da ordem dos saberes e aponta como vivemos numa sociedade que produz discursos tidos como verdades.
Segundo sua percepção, os discursos da Razão emergiram no meio dos dispositivos que agregam as ciências, as instituições, comportamentos e regras produzindo a idéia de normalidade.
Foucault nos diz que a partir do momento em que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência e que é possível modificar uma dominação sob determinadas condições e conforme estratégia adequada.
Para fechar o desfile com esta história que não tem fim, até chegarmos á realidade de uma sociedade sem manicômios.
A ala dos movimentos sociais tratará dos outros dois temas abordados por Foucault: A Sexualidade e Vigiar e Punir.
Parafraseando o verso inaugural de Chiquinha Gonzaga que marca o nascimento do samba no Brasil , nomeamos a última ala:
Ô ABRE ALAS QUE EU QUERO PASSAR, EU SOU DA LUTA NÃO POSSO CALAR!


E na embolada da desembolada, outro ritmo pode ser, pois pensar também é batucar!
(Rogério Carvalho).


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Temos um encontro marcado para a próxima 4ª feira na Casa dos Jornalistas às 18:30 quando acontecerá a próxima reunião para organização do Dezoitão.

Esse material (texto) servirá de referência para a composição do samba de enredo e também para as discussões que ajudarão os serviços na escolha de qual parte da história vão desenvolver na Avenida.
São seis sub-temas que correspondem ás alas. Cada serviço, organização, escola, grupo ou coletivo, deverá escolher 2 sub-temas oi alas para que seja possível as “negociações”, caso haja concentração em determinados sub-temas, capítulos ou alas.
Um exemplo: Se quase todo mundo escolher a 5ª ala, será necessário uma reorganização para uma melhor distribuição das pessoas no desfile. No carnaval é isso se chama harmonia. Daí a importância de cada coletivo ter mais de uma escolha.
Os serviços que conseguirem fazer a apresentação do Dezoito de Maio, abordando e refletindo sobre o tema e conseqüentemente sobre as alas junto com usuários , trabalhadores e familiares ou (toda a gente do lugar!), deverão escolher 2 opções,e já na próxima reunião(4ª 23/03),apresentam o resultado de sua escolha .
Aqueles que não conseguirem fazê-lo até 4ª, podem levar a resposta na semana que vem, ok?

O CONCURSO DO SAMBA,
Será no dia 16 de abril. O local a ser confirmado.
O prazo para as inscrições e entrega da música é até o dia 7/04. Quem conseguir entregar o material antes dessa data, melhor ainda!!
Os critérios para o concurso serão divulgados na próxima semana, e enquanto isso já podem escrever os versos e cantar as palavras.



O Dezoito de Maio é também uma celebração da(re) existência.




Saudações foucaultianas e antimanicomais!!